2.3.04


Cartas de Fernado Pessoa

(...) Como escrevo em nome desses três?... Caeiro por pura e inesperada inspiracão, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberacão abstracta que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. O meu semi-heterónimo Bernardo Soares que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibicão; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilacão dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de "ténue" à minha, é iqual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer "eu próprio" em vez de "eu mesmo", etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. (...) (em 13 de Janeiro de 1935)

Livro do Desassossego por Bernardo Soares

Tem estado na minha mesa de cabeceira a alimentar o meu desassossego. Graças à M. conheci mais um trabalho deste homem fascinante. Então ao ler o que ele fala de si mesmo ainda me deixa mais encantada com a sua mente brilhante. As novas poesias inéditas é o meu livro de eleição, assinado por ele mesmo e acho que com toda a sua afectividade.
Vou deixando alguns extratos "da complexa e torturante obra"(2º as suas palavras).

Bons desassossegos
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