Com um dia de atraso aqui deixo os parabéns ao Horizonte, a foto de acordo com a data e o texto teu porque é melhor do que muitos outros já "reconhecidos".
"21 de Março. Prelúdio de mais uma Primavera.
Pela primeira vez em muitos anos, sentou-se só naquele banco de pedra branca do jardim. Sempre o mesmo banco, a hora, a previamente determinada tanto tempo atrás. Sempre aquele dia.
Olhou as mãos que seguravam o delicado ramo de violetas, compradas na florista com o mesmo carinho de sempre, com o mesmo propósito de todos os anos. E no entanto sabia que desta a destinatária não estaria ali para as receber com aquele sorriso largo de satisfação que lhe subia sibilante do fundo da alma e lhe levantava suavemente as comisuras dos lábios, lhe iluminava aqueles olhos escuros e profundos, relampejantes.
Olhou o céu como que a pedir o milagre que sabia não lhe seria concedido. Voltou a mirar as mãos, desta com mais atenção. Nunca fora muito vaidoso nem se orgulhava especialmente do seu corpo, mas não desgostava delas, eram umas mãos sempre prontas para a carícia fácil, inclinadas à ternura. As veias, quase negras e muito salientes, faziam-lhes sobressair a magreza, de acordo com a do resto do corpo. E reparou especialmente nas pequenas manchas castanhas que as iam juncando, cada dia em maior número, denúncia iniludível que o tempo inexorável lhe deixavava, lembrando-o que já lhe sobrava pouco.
Como lhe pesava cada vez mais a solidão.
Recordou com os olhos orvalhados os seus passeios na praia, os dedos de ambos entrelaçados, até que ela se desprendia, descalçava e se aventurava a uma corrida pela estranha renda deixada pela espuma da maré na areia fina, rindo alto, um salto aqui outro ali, sempre vincados com pequenos gritos de satisfação, a voz trinada, que tanta vez lhe iluminava os sonhos. A idade nunca lhe retirara a leveza, gostava de tratar de si, vestia sempre roupas finas que lhe frisavam as formas, delgadas mas generosas, e quando corria, o vento encostava-lhe a saia fina e solta às ancas, o que provocava sempre nele um arrepio de incontrolável de volúpia,
Assistia ao desvario com um sorriso de prazer que lhe perdurava na face muito tempo após.
Tudo lhe passava em flashes, a memória não se apagava, não era generosa com ele, obrigava-o a recordar tudo aquilo que queria remeter a um qualquer obscuro escaninho da mente, inacessível, que pudesse para sempre fechar e esquecer sequer da sua existência.
Levantou-se e uma mão invisível guiou-o ao local onde tantas vezes tinham sido felizes, onde tinham repartido aqueles momentos de alegria inocente, quase juvenil, e que ainda há pouco lhe tomara conta dos pensamentos
Sentou-se na rocha, húmida pela maré recentemente vasa, e esticou as pernas enterrando os pés na areia. Sentiu um arrepio subir-lhe e despertar-lhe os intintos, lembrando-lhe que ainda tinha emoções.
A areia movia-se, infiltrava-se-lhe nos poros, a sensação era estranha, não sabia se gostava, sabia que durante o dia, no pino do sol, lhe era desagradável. Mas naquela altura, na sua frescura, sentia-a como um tecido, seda, cetim talvez, a fugir-lhe a escorregar-lhe entre os dedos, como a roupa dela nas noites de amor. Tudo lhe trazia a sua presença. Até a Lua com a sua luz misteriosa, porque aparecia às horas que eram as dela. Porque lhe era imprescindível à vida, tal como ela.
Olhou para o céu, negro profundo de noite, mas iluminado pelo reflexo do astro, e achou estranha relação que com ele estabelecera. A interferência de uma nuvem fugaz interrompia-lhe intermitente a visão, e a escuridão tornava-se mais densa. Sobrava o marulhar das ondas para o recordar onde estava. Apeteceu-lhe mergulhar, rasgar o peito e o coração e afogar-se, dissolver-se naquele mar imenso, convulso. Ou transformar-se numa rocha despida de emoções, isenta dos desejos que permanentemente o torturavam.
Mas logo o arrependimento. Os seus pensamentos eram a voragem que o consumia sem misericórdia. Tão contraditórios! Achou-se estranhamente masoquista, mas preferia sofrer aquela dor para sempre, a não sentir nada. Era uma dor fina mas ao mesmo tempo sublime a que lhe atravessava a alma. Que lhe doía, mas que já lhe era indispensável à vida, sem ela não se imaginava. Era a dor de sentir a sua ausência, o vazio da sua presença tão desejada mas impossível
A lembrança da mulher, tão longínqua, mas sempre tão presente, enviando-lhe um perfume tão intenso lá de longe de onde o olhava com aqueles olhos excessivos, lhe sorria com aquele sorriso de beleza indizível, era uma miragem, um oásis no deserto em que se transformara a sua vida. O pensamento, outra vez desobediente, voava para ela.
A noite esfriava, tornava-se desagradável, os arrepios sucediam-se mas não se queria ir, evitava ir, sentia os sentidos cada vez mais despertos. Só ali podia estar sózinho com ela.
Olhou novamente a lua e viu com nitidez a sua face. Ouviu distintamente a voz cantante, o riso puro e cristalino como a água de um ribeiro.
Sentiu crescer dentro de si o desejo incontrolável de a sentir junto de si o corpo morno, o hálito cálido e doce. Deitou-se na areia e envolveu-a como se a envolvesse a ela, fundiu-se nela como se fosse o corpo desejado. Estendeu os braços, mergulhou-os na areia como se lhe acariciasse os sedosos cabelos. Fez deslizar as mãos abaixo como se lhe percorresse ternamente as ancas perfumadas. Sentiu mais vivo o desejo, de a ter só para si, a vontade de, com os lábios húmidos, lhe percorrer o colo, os seios, até a fazer desmaiar de paixão.
Um espasmo longo percorreu-lhe o corpo. Depois permaneceu inerte. Sentiu a boca salgada. Não soube se era das lágrimas que lhe corriam á desfilada pela face, se era do mar que serenamente o ia abraçando e o levava.
Na mão, firmemente agarrado, o ramo de violetas que lhe queria oferecer. "
"21 de Março. Prelúdio de mais uma Primavera.
Pela primeira vez em muitos anos, sentou-se só naquele banco de pedra branca do jardim. Sempre o mesmo banco, a hora, a previamente determinada tanto tempo atrás. Sempre aquele dia.
Olhou as mãos que seguravam o delicado ramo de violetas, compradas na florista com o mesmo carinho de sempre, com o mesmo propósito de todos os anos. E no entanto sabia que desta a destinatária não estaria ali para as receber com aquele sorriso largo de satisfação que lhe subia sibilante do fundo da alma e lhe levantava suavemente as comisuras dos lábios, lhe iluminava aqueles olhos escuros e profundos, relampejantes.
Olhou o céu como que a pedir o milagre que sabia não lhe seria concedido. Voltou a mirar as mãos, desta com mais atenção. Nunca fora muito vaidoso nem se orgulhava especialmente do seu corpo, mas não desgostava delas, eram umas mãos sempre prontas para a carícia fácil, inclinadas à ternura. As veias, quase negras e muito salientes, faziam-lhes sobressair a magreza, de acordo com a do resto do corpo. E reparou especialmente nas pequenas manchas castanhas que as iam juncando, cada dia em maior número, denúncia iniludível que o tempo inexorável lhe deixavava, lembrando-o que já lhe sobrava pouco.
Como lhe pesava cada vez mais a solidão.
Recordou com os olhos orvalhados os seus passeios na praia, os dedos de ambos entrelaçados, até que ela se desprendia, descalçava e se aventurava a uma corrida pela estranha renda deixada pela espuma da maré na areia fina, rindo alto, um salto aqui outro ali, sempre vincados com pequenos gritos de satisfação, a voz trinada, que tanta vez lhe iluminava os sonhos. A idade nunca lhe retirara a leveza, gostava de tratar de si, vestia sempre roupas finas que lhe frisavam as formas, delgadas mas generosas, e quando corria, o vento encostava-lhe a saia fina e solta às ancas, o que provocava sempre nele um arrepio de incontrolável de volúpia,
Assistia ao desvario com um sorriso de prazer que lhe perdurava na face muito tempo após.
Tudo lhe passava em flashes, a memória não se apagava, não era generosa com ele, obrigava-o a recordar tudo aquilo que queria remeter a um qualquer obscuro escaninho da mente, inacessível, que pudesse para sempre fechar e esquecer sequer da sua existência.
Levantou-se e uma mão invisível guiou-o ao local onde tantas vezes tinham sido felizes, onde tinham repartido aqueles momentos de alegria inocente, quase juvenil, e que ainda há pouco lhe tomara conta dos pensamentos
Sentou-se na rocha, húmida pela maré recentemente vasa, e esticou as pernas enterrando os pés na areia. Sentiu um arrepio subir-lhe e despertar-lhe os intintos, lembrando-lhe que ainda tinha emoções.
A areia movia-se, infiltrava-se-lhe nos poros, a sensação era estranha, não sabia se gostava, sabia que durante o dia, no pino do sol, lhe era desagradável. Mas naquela altura, na sua frescura, sentia-a como um tecido, seda, cetim talvez, a fugir-lhe a escorregar-lhe entre os dedos, como a roupa dela nas noites de amor. Tudo lhe trazia a sua presença. Até a Lua com a sua luz misteriosa, porque aparecia às horas que eram as dela. Porque lhe era imprescindível à vida, tal como ela.
Olhou para o céu, negro profundo de noite, mas iluminado pelo reflexo do astro, e achou estranha relação que com ele estabelecera. A interferência de uma nuvem fugaz interrompia-lhe intermitente a visão, e a escuridão tornava-se mais densa. Sobrava o marulhar das ondas para o recordar onde estava. Apeteceu-lhe mergulhar, rasgar o peito e o coração e afogar-se, dissolver-se naquele mar imenso, convulso. Ou transformar-se numa rocha despida de emoções, isenta dos desejos que permanentemente o torturavam.
Mas logo o arrependimento. Os seus pensamentos eram a voragem que o consumia sem misericórdia. Tão contraditórios! Achou-se estranhamente masoquista, mas preferia sofrer aquela dor para sempre, a não sentir nada. Era uma dor fina mas ao mesmo tempo sublime a que lhe atravessava a alma. Que lhe doía, mas que já lhe era indispensável à vida, sem ela não se imaginava. Era a dor de sentir a sua ausência, o vazio da sua presença tão desejada mas impossível
A lembrança da mulher, tão longínqua, mas sempre tão presente, enviando-lhe um perfume tão intenso lá de longe de onde o olhava com aqueles olhos excessivos, lhe sorria com aquele sorriso de beleza indizível, era uma miragem, um oásis no deserto em que se transformara a sua vida. O pensamento, outra vez desobediente, voava para ela.
A noite esfriava, tornava-se desagradável, os arrepios sucediam-se mas não se queria ir, evitava ir, sentia os sentidos cada vez mais despertos. Só ali podia estar sózinho com ela.
Olhou novamente a lua e viu com nitidez a sua face. Ouviu distintamente a voz cantante, o riso puro e cristalino como a água de um ribeiro.
Sentiu crescer dentro de si o desejo incontrolável de a sentir junto de si o corpo morno, o hálito cálido e doce. Deitou-se na areia e envolveu-a como se a envolvesse a ela, fundiu-se nela como se fosse o corpo desejado. Estendeu os braços, mergulhou-os na areia como se lhe acariciasse os sedosos cabelos. Fez deslizar as mãos abaixo como se lhe percorresse ternamente as ancas perfumadas. Sentiu mais vivo o desejo, de a ter só para si, a vontade de, com os lábios húmidos, lhe percorrer o colo, os seios, até a fazer desmaiar de paixão.
Um espasmo longo percorreu-lhe o corpo. Depois permaneceu inerte. Sentiu a boca salgada. Não soube se era das lágrimas que lhe corriam á desfilada pela face, se era do mar que serenamente o ia abraçando e o levava.
Na mão, firmemente agarrado, o ramo de violetas que lhe queria oferecer. "
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